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"O professor futuro, o professor de hoje"

Depoimento de Neide Noffs, professora de pós-graduação na Faculdade de Educação da PUC-SP
Por Francisco Bicudo

“A primeira coisa que tenho que dizer é que tenho a seguinte posição: o futuro sozinho não existe. O que existe é um presente onde construímos e projetamos o futuro. Não sou de jeito algum partidária daquela idéia de que é o passado que determina o futuro. O futuro é um reflexo direto do que construímos no hoje, no presente. Eu acredito que a história é construída pelo sujeito, e não pelo herói. E sujeito é o professor que trabalha hoje. O herói é um reconhecimento futuro. Minha ideologia, no sentido das idéias mesmo, é de uma ação política que possa ser realizada, concretizada.

“Já há professores do futuro na Educação Infantil. O que não existe é escola para ele atuar. A escola ainda está calcada no passado.”

O profissional do futuro, portanto, começa a ser formado e a ter um bom perfil hoje. E como é esse perfil hoje? Ele tem que ter uma formação específica para área. Hoje, você sabia que não é nem exigido ensino médio para os educadores do nível de creche? Pois é, o bom professor tem formação específica, mas não só nos conceitos que vai transmitir, mas também em relação às atitudes que vai disseminar e trabalhar e também em relação aos procedimentos. Como vai reagir a determinadas situações? Atitudes e procedimentos têm muito a ver com os valores que se quer passar adiante e, para isso, além de boa formação, o professor tem que ter um belo preparo emocional. Aí posso resumir assim: o professor deve e deverá ter informação consistente, boa formação pessoal e profissional e um instrumental que seja capaz de dar conta da época em que se vive.

Ressignificação
Quando eu falo em preparo emocional do professor, estou falando principalmente em ressignificação. Ressignificar é transformar o que foi vivido e o que foi aprendido em padrões de atitudes mais novos e adequados. Eu dou um exemplo, para ficar mais claro. Imagine que uma criança, quando pequena, ouviu sua professora dizer que era melhor o colega do lado ler o texto em voz alta porque ela não lia bem. No futuro, essa criança repreendida pelo professor, vira também professora. Numa situação de leitura, ela vai lembrar de seu passado. Todas aquelas emoções virão à tona. E como ela vai lidar com tudo aquilo? Se ela não tiver preparo emocional para ressignificar, ela vai ficar presa aos padrões do passado e não vai ensinar e lidar da melhor maneira com os seus alunos. O professor que ressignifica os aprendizados volta ao tempo de aluno e coloca essa lembrança em modelos mais atuais de inclusão, de respeito, de não-preconceito. No passado, as escolas e os professores não precisavam lidar com os diferentes, excluíam e pronto. Hoje não, eles têm que lidar e amanhã, então, mais ainda. Se o professor não estiver preparado emocionalmente para transformar seus conceitos em atitudes novas, ele estará preso ao passado. A psicopedagogia propõe, portanto, que o preparo emocional para lidar com situações e com aprendizados do cotidiano seja trabalhado, seja ensinado ao professor de Ensino Infantil, para que ele ressignifique seus conceitos e os transforme em novas atitudes. Ensinar isso é, com certeza, trabalhar para a formação de um professor do futuro.

Além disso, esse professor tem de saber tomar decisões e, na base disso está: considerar a criança como um sujeito. Sujeito de suas ações, de seu crescimento, de seu desenvolvimento, de sua história. Porque é fundamental estar a par e trabalhar o conceito. A pessoa é ela mesma e mais suas circunstâncias. Tomar decisões também diz respeito a entender que o conhecimento não é uma cópia da realidade, mas uma interação com ela. Isso é o conhecimento, e a criança, mesmo bem pequena, é capaz de tomar contato com isso. E o professor precisa saber disso.

Professores do futuro, escolas do passado
O curioso é que se você for ver, esse profissional, esse educador com esse perfil já existe, ele está aí. O que ele não encontra é mercado para trabalhar. Eu diria que já há professores do futuro na Educação Infantil. O que não existe é escola para ele atuar. A escola ainda está calcada no passado. Elas ficam muito em cima do discurso do passado e não se abrem para as mudanças. E a escola não está pronta, não está preparada para abrigar esse bom professor que eu falei.

E aí, o que acontece é que a criança já tem um novo perfil, desde que nasce e vai para a escola cada vez mais cedo. E manifesta-se a grande contradição, porque a escola não trabalha com professores capazes, preparados para dar conta dessa criança, extremamente bem informada e estimulada. O resultado é que, na maior parte das vezes, a criança é mais esperta que o mestre e isso gera uma enorme evasão escolar, ou um aborrecimento profundo com a escola, que deveria ser o lugar do prazer em conhecer. E o educador, como não tem mais aquele papel de o único que sabe, perde sua função e não a reinventa, aí perde o respeito da classe. E essa contradição entre criança e professor se intensifica, porque fica um desnível enorme.

“E o que o professor pode fazer hoje para ser o professor do futuro? Pode investir pesadamente numa boa formação, com graduação e pós-graduação, e ter sempre a instituição como ponto de referência.”

De fato, hoje, as demandas das crianças não são atendidas. Os cuidados são insuficientes. Quando a gente fala em creche, que é a fase de 0 a 3 anos, e em pré-escola, de 4 a 6 anos, a gente fala também nos cuidados físicos, como ajudar a comer, ou a ir ao banheiro, botar para dormir etc. Mas eu não estou falando desses cuidados. Estou falando do cuidado intelectual e do emocional também. Porque o aprendizado se dá pelo corpo, pelo orgânico e, sem preparo emocional, o professor não vai entender isso. Não dá para esquartejar a criança e separar pensamento de um lado e motricidade do outro. O pensamento é um todo articulado que passa pelas três instâncias: corporal, emocional e intelectual.

E isso vale até para os bebezinhos pequenos, que só engatinham. Por que você acha que o bebê engatinhando opta para ir para um lado e não para o outro, vai até a mãe, ou engatinha para o lado oposto a onde está um cachorro? Porque o bebezinho pensa! Isso mesmo, desde pequenininho o bebezinho já pensa. Mas a escola e o professor ficam muito preocupados e sobre-valorizam a escrita e o simbólico, como os desenhos. E deixam de ver que o pensamento, a construção da inteligência se demonstra de uma série de outras maneiras. Até pelo movimento do corpo. O bebê engatinhar para um lado qualquer mostra um processo em que houve uma escolha, uma espécie de pensamento mesmo. Mas a escola quer é uma oficina de desenvolvimento matemático, ou uma oficina de artes plásticas. Mas e a oficina de pensamentos, onde está?

Para entender a criança, só o professor mesmo. E quando ela é entendida de verdade ela deixa de ser o anjo de candura caído do céu. Porque é assim que a escola de hoje a enxerga, um ser indefeso, que age por instinto. Mas ora, quem age por instinto é bicho, e criança é ser humano e passa a ser, atenção, uma produtora de cultura. Se a gente pensar nas teorias que trazem a cultura para o cotidiano, aí fica mais fácil ainda de entender. E a criança pode ser desde cedo uma produtora de cultura, desde que seu educador seja bem formado.

E o que o professor pode fazer hoje para ser o professor do futuro? Pode investir pesadamente numa boa formação, com graduação e pós-graduação, e ter sempre a instituição como ponto de referência. Porque a instituição é o contexto e, sem ele, não se chega no sujeito”.

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