Depoimento de Raquel Lazzari Leite Barbosa, professora da Universidade Estadual Paulista (UNESP)
Por Elisa Marconi e Francisco Bicudo
“Para falar sobre a formação do professor, seja hoje, seja no futuro, sugiro que a gente lance mão da obra mais recente que organizei. Trata-se do livro “Trajetória e perspectivas da formação educadores”, lançada recentemente, e que se refere ao Congresso Estadual Paulista sobre a Formação de Educadores (CEPFE) de 2004. Ela procura, claro, fundamentalmente debater a questão da formação dos professores. Para isso, utilizamos dois eixos: uma retrospectiva e uma prospectiva. Ou seja, fizemos um resgate e balanço sobre tudo o que foi discutido no CEPFE de 1990 até hoje, e avaliamos e pontuamos as discussões que se anunciam para o futuro. Vale a pena sempre lembrar que a formação, para a gente, é uma articulação de ciências, que somam suas especificidades e chegam a conclusões coletivas. Por isso, buscamos ter as várias áreas da ciência representadas, para mostrar esse olhar múltiplo, que entendemos como formação do professor.
Quando pensamos na retrospectiva dos anos 90, a primeira discussão diz respeito às políticas públicas educacionais. A boa notícia é que nessa área houve avanços sim, sem dúvida. Seja por uma maior participação dos professores, seja porque muitos dos cargos das instâncias deliberativas, como Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, vêm sendo ocupados por educadores que participam ativamente dos CEPFE, debatendo, propondo, sugerindo mudanças. Portanto, as idéias discutidas nos Congressos estão sendo, de alguma maneira, levadas adiante, sendo aplicadas, ou, pelo menos há pessoas sérias tentando isso. Agora, esses avanços também não foram assim tão grandes. Há ainda mil problemas a serem pensados e solucionados.
Licenciatura: campo de conhecimento do educador
Um dos mais importantes problemas é o das licenciaturas, que, aliás, está em pauta há muito tempo, mas não pode deixar de ser debatido. O ponto central é a que a licenciatura precisa ser encarada como o campo de conhecimento do educador. E hoje ela não é valorizada, às vezes nem pelo próprio professor. Há uma confusão no Brasil, que permite que qualquer um dê aula, mesmo sem a formação específica. Nas universidades públicas, a licenciatura está desvinculada dos departamentos de Educação e ligada a departamentos específicos, ou seja, aquilo que deveria servir de base a todos os professores (a formação em educação mesmo) está fragmentado em várias unidades, ao invés de estar coeso e sob o guarda-chuva da Educação. Também os que escolhem fazer licenciatura acabam recebendo os salários mais baixos, como se fosse um demérito optar pela licenciatura. O debate que os CEPFE vêm fazendo e a proposta que estamos fazendo é de recuperar a licenciatura como o campo do conhecimento e do saber específico do professor.
E isso não é uma briga por uma reserva de mercado. Não. Trata-se de uma briga pelo reconhecimento de um campo que mostra claramente que o conteúdo é fundamental para poder ensinar. Mas ele não basta. É preciso discutir e implementar um COMO ensinar. As disciplinas de didática, essas que ensinam a ensinar, a educar, estão muito diluídas e não deveriam estar. Também é fundamental o professor conhecer a História da Educação, para entender em que estágio estamos e por que estamos nele, isto é, não chegamos aqui por acaso, a Educação percorreu um caminho que culminou aqui. E que caminho foi esse? E tem as metodologias dos saberes, que também precisam ser revigoradas. E, por fim, a prática do ensino. É preciso que o professor tenha um acompanhamento em seus estágios. Um acompanhamento de perto, discutido, analisado, esmiuçado, para que sua prática futura seja a mais adequada.
Reflexões
Aí chegamos ao futuro. E a questão é: quem é esse professor desejado, que estamos tentando formar aqui para trabalhar mais adiante? Bem, o que se espera é que o professor seja um profissional competente no saber e na metodologia de trabalho, entendendo aí que teoria e prática andam mesmo juntas. Hoje a sociedade não comporta mais um professor que apenas transmita a informação e o conhecimento. O acesso à informação é muito rápido e fácil hoje, até pela mídia. E não há professor no mundo que possa concorrer com a quantidade enorme de informação que é despejada sobre nós diariamente. O que o professor precisa saber fazer é mediar esse contato e ensinar o aluno saber onde buscar a informação e, mais importante, o que fazer com ela. Porque esse aluno precisa saber questionar a informação, e não recebê-la como verdade inquestionável. E isso se chama formar cidadãos.
Agora, é preciso que o professor também reflita constantemente sobre seu papel, sobre o que é ser professor, sobre o lugar que ele ocupa e o que pode ocupar. Esses ideais até vêm sendo alcançados, mas muito vagarosamente. Ainda estamos engatinhando em relação a isso. Os problemas são muitos, mas o debate é intenso. E posso dizer que as universidades estão realmente empenhadas em discutir a formação e em formar professores com essas características. São espaços que estamos conquistando.
No entanto, mesmo com os avanços gradativos, é preciso admitir que o que verificamos é que há mesmo um enorme descompasso entre as idéias e a prática. Não posso dizer que elas andam separadas. Teoria e prática caminham sempre lado a lado. Não existe uma primeiro, e outra depois. O que existe é esse empenho em discutir a formação do professor e isso, claro, influencia a prática na sala de aula, mesmo que lentamente.
Uma boa maneira de manter o debate aquecido é o Congresso Estadual Paulista sobre a Formação do professor que, neste ano, acontecerá entre 25 e 29 de setembro, em Águas de Lindóia. Posso adiantar alguns dos assuntos que estarão em debate lá: Ensino Infantil, formação humanística do educador, as licenciaturas, docência para o 3o grau (quem forma os professores universitários) e aí se encaixa a discussão sobre a pós-graduação, absolutamente fundamental: será que ela está formando professores também, ou só pesquisadores? Claro que não dá para desvincular ensino de pesquisa, mas as duas áreas estão contempladas? E tem mais: vamos falar da relação da educação com o meio ambiente, os meios de comunicação e a cultura. Porque o tema de 2005 será: Modos de Ser Educador: arte e tecnologia, ciência e política”.