Depoimento de Andréa Ramal, educadora, doutora em educação pela PUC-RJ
Por Francisco Bicudo
”O perfil do professor vai mudar muito. Aliás, já está mudando. E uma das principais causas dessa transformação é o advento da tecnologia. As tecnologias digitais revolucionam uma série de conceitos: mudam as próprias formas de pensar e aprender. Mudam as relações na sala de aula: antes, o único a possuir as informações e as novidades era o professor. Hoje, o aluno tem acesso a conteúdos que anteriormente pertenciam exclusivamente ao professor, e faz isso a partir de fontes bem mais interessantes do que as exposições orais da sala de aula, com uso de imagens, recursos sonoros e interatividade.
Para estar em dia com as mudanças, o professor deve deixar de ser apenas um transmissor de conhecimento e abraçar verdadeiramente a tarefa ou missão de educador. Isso significa formar em valores. Significa também abrir espaços alternativos e integrar-se em discussões, reflexões, análises críticas e processos permanentes de formação. O professor deve se transformar num professor pesquisador: não só estar em dia com a sua área de conhecimento, com as novas descobertas da sua disciplina, mas principalmente ser um pesquisador dos processos de aprendizado do aluno. Como o aluno aprende hoje? O que faz ele aprender determinado assunto? O professor deve ter essa curiosidade e desenvolver essa busca constante pelos processos cognitivos do aluno. As mudanças, também nessa área, são rápidas demais. O professor precisa estar aberto e em dia com as novas formas de ensinar.
Novas relações com o conhecimento
Digo isso porque as habilidades cognitivas do estudante mudaram. O aluno de hoje tem outras capacidades e competências, diferentes daquelas que Piaget estudou em alunos das mesmas faixas etárias, no seu tempo.
Também em função dessas novas relações com o conhecimento que existem na cibercultura, o processo de avaliação precisará mudar. Cada vez menos a avaliação será igual para todos. O professor vai precisar conhecer muito bem e muito de perto as capacidades de cada aluno, analisar os processos e as limitações de cada um. O aluno constrói o seu próprio currículo, de certa forma, na medida em que é um navegador. Ele já foi buscar as informações que interessam não só nos livros escolares, mas também na internet, na TV. Até mesmo o celular permite contato com todas as informações do mundo. Se a escola não atender as necessidades específicas de cada estudante, ele poderá procurar sua formação em outras instâncias, como cursos à distância (apenas para citar um exemplo). Pois a escola perdeu, de certo modo, o seu monopólio, e disputa a atenção do aluno com outros ambientes formativos.
Se por um lado o grande desafio é dar atenção individualizada, com avaliação personalizada, ao mesmo tempo é necessário continuar fazendo da escola um lugar de socialização e de coletividade, inclusive do saber compartilhado. Essa relação entre o individual e o coletivo, na escola, é mediada pela figura do professor. O desafio do professor é, então, apesar das ideologias nas quais a escola está imersa, apesar da filosofia da competição exacerbada do mundo de hoje, tornar-se um dinamizador de grupos que aprendem de forma cooperativa. Formar o que chamo de comunidades cooperativas de aprendizagem.
Isso é uma tendência. Até as empresas já perceberam que os ambientes ultracompetitivos, muito estimulados nos anos 80 e 90, não geram os melhores resultados. O desafio hoje é criar ambientes de cooperação que geram resultados muito mais satisfatórios, desde a satisfação pessoal dos participantes, até a maior produtividade. Só o conhecimento compartilhado tem valor. Se eu não partilhar o que descobri, o conhecimento coletivo não evolui. Um exemplo é a ciência. Quando os pesquisadores descobrem, ou inventam algo, precisam levar aquele novo conhecimento para outras comunidades científicas, para ser por estas posto à prova e validado. E é compartilhando o conhecimento de cada um – cada cientista constrói em cima do conhecimento do anterior – que se constrói um bem maior, para uso de toda a sociedade. Isso precisa fazer parte da cultura da escola.
O computador tem sua importância aqui. A internet favorece a divulgação do conhecimento para o mundo e, se o aluno souber lidar com isso desde pequeno, melhor. Antes, o máximo de alcance que um trabalho escolar tinha era a própria sala de aula ou a escola. O professor pregava o cartaz do aluno no mural. Hoje, esse mesmo trabalho pode ser colocado num blog ou num site e se integrar na rede mundial de computadores. Pode ser lido e mesmo comentado por um outro aluno de outra parte do mundo, com outra visão cultural, por exemplo. As fronteiras acabaram com o advento da tecnologia.
Dificuldade para mudanças
O problema é que algumas escolas estão bastante distantes disso. Historicamente, a escola é lenta para aceitar mudanças. Isso não é ruim, pois revela uma desconfiança com relação a modismos. Mas não pode se tornar um empecilho para a mudança, ainda mais num mundo que exige agilidade.
Um exemplo é a falta de troca de experiências entre professores. O docente gasta muito tempo produzindo os seus próprios materiais, suas fichas, suas oficinas de trabalho, quando poderia participar de um banco de dados virtual e ter acesso a trabalhos utilizados e criados por seus pares. Isso lhe daria mais tempo para estudar, pesquisar, trocar. O professor do futuro troca idéias, experiências, conhecimentos com os outros professores.
Alguns professores não incorporam as tecnologias por certa resistência ou às vezes até por medo. Primeiro, porque antes só ele detinha o saber e o acesso às fontes do saber. Hoje, um menino de sete anos pode comandar melhor a internet ou um aparelho eletrônico do que seu professor.
Escolas devem proporcionar capacitação
Vale dizer que a culpa não é do professor. Muitas vezes ele não tem nem condições financeiras para ter acesso à tecnologia. Quando tem, não tem tempo para explorar. As escolas, por sua vez, deveriam capacitar seus professores para integrar a informática aos conteúdos, em vez de se limitarem a ensinar apenas a escrever provas no Word. Algumas cobram o uso da tecnologia de maneira burocratizada, meramente administrativa, sem caráter pedagógico. O professor precisa saber que o computador não é só uma ferramenta. Ele é um ambiente cognitivo.
Um papel importante é o do líder pedagógico, do coordenador. Porque muitos professores são horistas, precisam trabalhar em três ou quatro escolas... e não têm tem tempo para estudar os processos dessas mudanças ou liderá-las. Nesse sentido, falta ousadia em algumas lideranças educacionais das próprias escolas para criar as condições para gerar as transformações necessárias. Em outros países da América Latina, por exemplo, existem os professores tutores, que não são propriamente chefes, mas sim lideranças que comandam a linha pedagógica a ser seguida e coordenam os projetos integrados. No entanto, vemos que algumas escolas ainda não reconhecem o professor, não o remuneram adequadamente, investem pouco para o professor ficar na escola e se tornar, não mais um executor, mas alguém que lide com as mudanças tecnológicas, pedagógicas, cognitivas. Alguém que seja um explorador do mundo e um pensador do projeto pedagógico. Acredito que esse é o perfil a ser construído quando pensamos no professor do futuro”.