O outro lado da moeda não passa ao largo do debate. “A violência chega até a classe média e alta também e também é cometida por seus filhos. Mas quanto mais na periferia, mais a polícia maltrata o jovem”. Assim Abramovai abre o terceiro bloco do debate – resgatando a fala de Soninha e trazendo à tona lembranças de crimes bárbaros cometidos por meninos e meninas abastados, como Suzanne von Richthofen, 19 anos, que tramou o assassinato dos pais, em outubro de 2002. Ou como o de Gustavo de Macedo Napolitano, 22 anos, que matou a avó e a empregada para vender um carro da família e comprar drogas, poucas semanas depois do crime de Suzanne. Ou ainda como o dos sete meninos de Brasília que, também em outubro do ano passado, mataram um garçom a chutes e ponta-pés, em Porto Seguro/BA, porque ele pedira aos garotos que desocupassem a mesa.
A diferença entre esses casos e o de meninos pobres criminosos, ligados ou não ao tráfico, vai além do tratamento judicial dado a cada parte. A classe média mata, ou rouba, ou espanca, porque essa lhe parece a única solução para um problema. Para o jornalista Gilberto Dimenstein, “é uma situação de escravização ao desejo, alimentada por uma sociedade que estimula a satisfação imediata das vontades. Essa é a radicalidade do consumismo. Viver é satisfazer imediatamente os desejos”. Segundo a psicóloga e educadora Rosely Saião, “estamos presenciando uma geração de pais que não consegue impor limites e, pior, faz de tudo para que os filhos nunca se frustrem. As crianças ficam ainda mais vulneráveis à dor". No caso da periferia, embora com contornos distintos, a situação não é menos complexa. Quando garotos pobres praticam um crime estão também respondendo a todas as violências anteriores. Na voz de Ferréz: “o estilete na mão do menino hoje é resultado do que ele pegou lá traz. Violência em casa, fome, porrada da polícia”.
Soninha completa comentando essa relação pobre – policiais. “É um absurdo uma pessoa de bem ter medo da polícia. E a impunidade aos maus-tratos dá raiva”. Ainda segundo ela, a raiva se volta contra toda a corporação, contra qualquer policial. Não são raros os casos de PMs que foram mortos ou agredidos só por serem da polícia.